JOÃO SEGURO
25 OUTUBRO 2007
01

FICHA TÉCNICA
OUT OF THE CORNER OF THE EYE

SEM TÍTULO / UNTITLED (CASTING OUT NINES), 
2008

Prova cromogénea, 6 partes, 23 x 29,5 cm cada
 
UNTITLED (SPLIT SCREEN), 2008
Madeiras, plinto, vidro pintado, 150 x 150 x 60 cm


Voltar a olhar.

Este projecto foi iniciado com um convite que dirigi ao artista João Seguro para expor num determinado lugar. Um espaço que já foi uma galeria de arte contemporânea, em Lisboa, e que apresentava uma particularidade em termos expositivos, a montra. Actualmente este local encontra-se fechado à sua anterior relação com o espaço público. As suas características iniciais, embora sejam reconhecíveis, em nada afectam o cubo de três metros de aresta que acolhe o projecto do autor.

OUT OF THE CORNER OF THE EYE é uma proposta, que apesar do seu aspecto finalizado e construído, apresenta uma forte vertente experimental visível na relação que estabelece com o espaço. E é em torno da percepção do espaço, e do desenho que este impõe, que João Seguro se relaciona com a história da Arte e desta forma com a história da representação. A instalação é composta por duas obras executadas em suportes distintos, uma série de 6 fotografias e uma escultura. Em ambas as peças o autor testa os mecanismos da percepção e simultaneamente a consciência e o reconhecimento corpóreo, físico, dos mesmos e dos seus limites. O olhar e a escala humana que nos condicionam entram em colisão com os limites do espaço e os movimentos que nele operamos.
Na série fotográfica o artista indicia de um modo subtil o seu processo de trabalho, perseguindo algo que o interessa no interior do trabalho de outro autor, uma obra da autoria de Bas Jan Ader, de 1972, intitulada Untitled (Tea party). Esta obra composta por seis fotografias, montadas na vertical, representa Bas Jan Ader a tomar chá sob uma caixa de madeira, que o acolhe, como se fosse uma tenda, apoiada apenas por uma estaca no meio do bosque. A obra remete-nos, numa primeira instância para a pintura de Edouard Manet, Le déjeuner sur l'herbe, mas contém uma componente que a desloca da simples referência à pintura, e a esta pintura em particular. A posição da estaca, que sustenta a caixa, é instável como uma armadilha preparada para caçar um animal do bosque. Por outro lado, ainda, estas fotografias são frames de um filme realizado pelo autor. A obra que João Seguro apresenta nesta instalação, são também seis fotografias , intitulada Casting Out Nines, representa uma figura geométrica, branca, assente na paisagem com o fundo verde da mata. A sequência fotografada faz mover o objecto do plano de fundo para o primeiro plano, transformando-o num outro objecto. Não é apenas a profundidade de campo que se altera mas a sugestão da temporalidade cinematográfica. O ponto de vista não é alterado, mas o trânsito a que o olhar é sujeito até chegar ao primeiro plano confunde o nosso próprio sistema de orientação na leitura da sequência de imagens. O que julgamos inicialmente ser um painel branco (poderia ser uma tela branca?) é afinal uma figura tridimensional assente por um pequeno calço que o eleva do solo. João Seguro imprime uma estratégia disruptiva e tensional testando as possibilidades da representação do objecto, o seu referente e principalmente a forma como o construímos sobre as imagens expostas na representação. Mas a proposta é mais radical, Split screen, uma escultura que ocupa o espaço principal da galeria, quase elimina a possibilidade de a contornar e de a observar de diversos pontos de vista. Mas este é o maior ardil que o autor nos pode propor. A escultura está lá mas encontra-se no interior do plinto que num primeiro assomo do olhar julgamos ser a obra. A história da Arte é de novo convocada através da ambiguidade estabelecida entre o plinto e a obra. Na esteira de Rodin, Brancusi ou Robert Morris, João Seguro actua sobre o espaço e sobre a própria fisicalidade do objecto escultórico integrando a linguagem como um procedimento transformador. O título da obra , Split screen opõe-se ao encontro entre o espectador e a presença da escultura no espaço. Como Rodin, na obra Monumento a Balzac, peça e base pertencem à mesma categoria. No entanto, a obra de João Seguro encontra ainda um outro plano inesperado e próximo de um desejo utópico. O chão onde assenta esta obra dúplice expande-se através de um espelho que revela um outro momento da observação da peça e projecta-a no seu interior. A obra é uma possibilidade, uma proposta que encerra em si mesma a necessidade de participação do observador e a performatividade do seu corpo e do seu entendimento do espaço. A estaca que segura a caixa onde Bas Jan Ader toma o seu chá é uma metáfora da queda a que somos sujeitos perante a estratégia operativa que João Seguro exerce sobre a nossa capacidade de ordenar as coordenadas que nos ligam por momentos ao mundo que se põe perante os nossos olhos. É então necessário voltar a olhar.

João Silvério
Outubro de 2007