Projecto vs. Performance
A relação com um espaço e com o lugar onde este se insere tem sido uma das características centrais do trabalho de Carlos Bunga. Este autor tece uma rede de conexões entre as especificidades da arquitectura que encontra e desenvolve os seus projectos tomando como ponto de partida um contexto construído e edificado que será sujeito a uma transformação. Nalguns casos, trabalha com elementos históricos ligados a esses lugares, recuperando memórias e redes de relações diferenciadas temporalmente.
O artista não adiciona à construção inicial e perene uma segunda construção frágil e efémera. Bunga reescreve o espaço original, transformando-o numa espécie de subtexto sobre o qual inscreve a experiência da faktura e das emoções. Esta estratégia determina uma acção que potencia uma ideia de compressão temporal presente nos indícios do espaço pré-existente e na instalação que constrói. Esta sobreposição entre o que é estável e permanente e a construção temporária e efémera – denunciada pela natureza dos materiais – constitui uma zona de fronteira entre o espaço anterior e a obra edificada pelo artista que reinterpreta essa espacialidade como arquétipo e índice da memória do lugar.
Neste processo de trabalho a obra a realizar passa por uma fase de apropriação do espaço original como um dado da experiência que é transferido para o plano da representação. Esta necessidade de tomar posse do espaço não tem como objectivo central a sua transformação morfológica ou funcional, mas tende a revelar de uma forma deceptiva a transitoriedade e a impermanência que toda a acção humana convoca. Esta ideia de permanente transformação está intimamente ligada à performatividade com que o artista impregna as suas obras e à relação com o documento e o registo de acções e performances que activa e em que participa, incluindo o espectador (o público que assiste) como um elemento participativo. Os vídeos, fotografias e diapositivos que mostra em alguns dos seus projectos constituem-se como um arquivo residual dessa capacidade transformadora.
O projecto pensado para o EMPTY CUBE concentra e sintetiza três vectores característicos do trabalho de Carlos Bunga. Em primeiro lugar, EMPTY CUBE Project (2009) é uma acção performativa em que o autor se apropria do espaço construído que tem acolhido os projectos artísticos ali apresentados. Em segundo lugar, Bunga persegue uma acção – que ele mesmo entende como performance – recorrente no seu trabalho, que é a desconstrução de um espaço até que este perca a sua forma e funcionalidade. Em terceiro lugar, o artista encerra esta acção através da recolha de imagens, passando para o plano do registo e da memória.
O projecto/performance apresentado no EMPTY CUBE pode ser visto como uma cisão no seu trabalho. O espaço que é sujeito ao acto performativo não foi construído pelo autor e a sua intervenção directa e física no momento da demolição fica em aberto – será uma decisão individual e espontânea. Um outro dado que singulariza esta acção é a sua ocorrência durante o período de tempo habitual da “apresentação única” que é característica deste projecto expositivo. A sua duração é estimada em cerca de três ou quatro horas e no final da noite simplesmente fecha as suas portas para não voltar a ser aberto. Bunga põe em questão a duração do projecto, uma das suas condições essenciais, e o facto do espaço expositivo ser o próprio objecto deste processo de desconstrução, reificando desta forma a efemeridade e a impermanência. É na duração do acto irreversível que a transformação do projecto artístico como performance se constitui como memória, como se cada movimento representasse uma acção derradeira e final. O que resta é o espaço da galeria, despojado do que foi o palco de uma representação.
João Silvério
Outubro de 2009