Peso e perspectiva.
John Wood e Paul Harrison mostram no EMPTY CUBE o vídeo White Shirt (2009). Nesta obra, os autores dão continuidade à sua prática, em que interrogam o espectador sobre situações que oscilam entre a possibilidade do acidente e a absurdidade de um acontecimento improvável. Ao longo do seu trabalho, iniciado na década de noventa, o desenho, o registo videográfico de acções performativas, e a utilização de objectos de uso comum têm construído um sistema visual que activa no espectador uma permanente necessidade de reavaliação dos limites do corpo e do espaço.
Este sistema visual integra a criação de espaços pensados e construídos com uma estruturada economia de meios, condicionando a focagem do olhar do observador sobre um acontecimento, como se o nosso olhar fosse o único que se dirige para dentro um estúdio de cinema, ou um palco de teatro, criando uma incómoda relação de intimidade entre o espectador e os fragmentos de narrativas inacabadas. Nestas curtas narrativas, protagonizadas pelos autores ou por objectos que agem como personagens num registo que se encontra próximo do cinema de animação, somos confrontados com a falibilidade do mundo, traduzida numa relação ambígua entre o trágico e o cómico.
A obra White Shirt introduz-nos num universo aparentemente familiar. A primeira imagem que vemos é enigmática, uma porta que exibe no centro do ecrã um típico óculo de uma casa de habitação. A porta abre-se e somos conduzidos num percurso lento para dentro de um quarto de hotel. A mala de viagem aberta, os sapatos perto da cama, alguns objectos sobre a mesa e o casaco sobre as costas da cadeira denunciam uma presença. O silêncio e o movimento da câmara recuperam o género cinematográfico de um thriller e simultaneamente seduzem-nos como se estivéssemos a ver uma sucessão de pinturas, com um encadeamento panorâmico que reproduz os interiores de uma casa. O movimento horizontal da câmara detém-se, em grande plano, frente a uma camisa branca que tem no bolso uma caneta. Após alguns segundos, ocorre um acontecimento que perturba o olhar concentrado sobre a superfície branca da camisa. Uma linha de tinta preta e brilhante escorre até esgotar o depósito da caneta. A acção continua como se o movimento da câmara fosse invertido, conduzindo-nos até a porta se fechar de novo.
Neste vídeo, Wood e Harrison perscrutam a nossa capacidade de distinguir, nos planos da representação, entre uma imagem aproximada do real e uma construção ficcional. Entre o tempo do travelling da câmara de vídeo e a velocidade gravitacional do “peso” da tinta a escorrer. Em que lugar nos encontramos frente a uma porta que se abre – e fecha – num quarto de hotel? Na obra destes artistas há uma consciência performativa que reside no acto de trabalhar a imagem em movimento, como um dispositivo transformador dos mecanismos da representação. Uma experiência visual e psicológica que ocorre entre a fragilidade e a permanência, entre o “como se” e a impossibilidade. Entre a perplexidade e o humor.
João Silvério
Novembro 2009