Uma proposta de oferta e um modelo de uma casa.

"A imagenzinha perfeita do Templo Dourado dentro do próprio templo fazia-me lembrar a série infindável de correspondências que surgem quando um pequeno universo está situado dentro de um grande universo e um mais pequeno, por sua vez, dentro do primeiro."

1. Estas palavras1, retiradas de O Templo Dourado, tradução portuguesa de 金閣寺, de Yukio Mishima, colocam-nos no epicentro do projecto que Pedro Gadanho concebeu para o EMPTY CUBE, intitulado O Templo Dourado (Portugal dos Pequenitos, update #01).
É quase inevitável descrever o que é visível nos materiais escolhidos e na sua ressonância simbólica (assaz política?). Porém, é impossível não deambular pela montagem do exíguo espaço de exposição, que é reescrito pela instalação do autor muito além dos seus limites físicos, prolongando-se para fora da sua estratificação interior.

2. Pedro Gadanho é um arquitecto que trabalha a arquitectura como um modelo de transformação do pensamento sobre as relações no espaço habitado, a sua caducidade e consequente transitoriedade. É neste aspecto que a replicação, e actualização, de um modelo encontra na metáfora do Templo Dourado a proximidade com uma acção futura sobre o Portugal dos Pequenitos (subtítulo desta instalação). Numa carta dirigida à Fundação Bissaya Barreto, enviada por e-mail e que constitui uma das peças expostas, o arquitecto faz uma proposta de oferta deste projecto efémero, no âmbito de um outro projecto mais ambicioso, que visa a futura ampliação daquele “parque temático”. O “Portugal dos Pequenitos” é uma imago mundi situada em Coimbra, concebida por Cassiano Branco, como uma amostra de um sistema universal enclausurado, ou talvez embutido no imaginário nacional, e que é refém de uma ideia demonstrativa da amplitude e representação de um universo conquistado e reorganizado de forma a constituir-se como modelo.

3. Uma segunda leitura da montagem condiciona o nosso olhar para dentro da construção dourada – feita a partir de perfis destinados à instalação de paredes de pladur –, onde reconhecemos um jogo do Monopólio. Chegados aqui, devemos começar a fazer o caminho inverso e observar a escala da pequena casa vermelha que identifica um jogador, e assim um proprietário. Esta casinha vermelha é o modelo que corresponde à construção ampliada (e dourada) que se encontra dentro do cubo. Por sua vez o cubo, como espaço expositivo, tem uma relação proporcional com a galeria que acolhe o EMPTY CUBE. É nesta grelha de correspondências sucessivas que se desenvolve uma acção crítica sobre modelos económicos e políticos, presentes na elementar geografia do tabuleiro colorido que o jogo do Monopólio representa, mas sobre o qual se ergue a estrutura dourada como uma presentificação simbólica da catarse que a dimensão estética reifica sobre a real imutabilidade do materialismo.

4."Talvez o Templo Dourado tivesse adoptado algum disfarce para esconder a sua verdadeira beleza."
Esta instalação que Pedro Gadanho constrói, numa acção efémera, propõe-nos um encontro entre duas visões utópicas de resistência e de mudança. Por um lado, a suprema beleza que perpassa a edificação idealizada do templo e a sua trágica impossibilidade. Por outro, a dissolução de uma visão universalista, reduzida a um modelo de brincar que se pretende ampliado e actualizado na sua função de parque temático de diversões. Nos dois exemplos aqui presentes, a arquitectura, como representação e como campo de possibilidades, remete-nos para escala dos modelos exibidos, que se aproxima dos objectos didácticos, escolares e lúdicos, mas que corporalizam nesta relação intersticial de universos interiores entre si uma subversão do seu valor simbólico e político, questionando a potência e o valor que a dimensão estética ainda pode representar na nossa relação com o mundo.

João Silvério
Novembro 2010
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1. Esta é uma de oito citações escolhidas pelo autor que serviram de base à concepção deste projecto efémero.