Re-editar o espaço
O projeto que André Gonçalves realizou para o espaço do Laboratório de Curadoria de Guimarães - Capital da Cultura 2012 obedeceu a uma contingência que nenhum outro artista participante do EMPTY CUBE enfrentou até aqui. André Gonçalves trabalhou a partir dos conceitos e premissas que constituem o EMPTY CUBE como proposta artística e curatorial, mas sem a presença física do espaço modular, o cubo, que tem determinado os projetos até aqui realizados.
O processo de trabalho teve como ponto de partida as imagens da construção efémera, realizada pelo coletivo dirigido por Alex Roemer / constructlab / EXYZT, que foi instalada na Fábrica ASA (Cova, Guimarães) como espaço para as ações do Laboratório de Curadoria. Num segundo momento, o artista deslocou-se para Guimarães para trabalhar em residência artística e desenvolver in loco o projeto “Exercícios de estilo”.
André Gonçalves apropriou-se da estrutura, construída de duas formas diferentes que interagiram com o espectador. A primeira fá-lo por via de uma seleção de elementos estruturais da construção que constituíram os módulos gráficos utilizados nos três vídeos reproduzidos em monitores; a segunda ocupa três cantos da construção de planta rectangular onde foram instaladas “cabinas” revestidas a flanela preta (semelhantes a pequenas black boxes) que permitiam visualizar os vídeos num ambiente imersivo e simultaneamente aceder a uma compreensão espacial da estrutura através dos seus limites externos, olhando de um canto para o outro, em que era possível reconhecer a imagem do próximo vídeo. Na última posição desta triangulação o circuito fechava-se, dado que apenas se podia ver a segunda box negra, sem ter acesso ao início da sequência. Esta relação topográfica com o espaço era recontextualizada temporalmente a cada quatro minutos pela suspensão dos vídeos, que cediam o seu lugar à iluminação de todo o espaço construído a partir de fora, com projetores de palco, criando uma cenografia noturna e espectral da estrutura que acolhia no seu interior um quadrado criado pela sombra como uma analogia à base de um cubo, reativando a reminiscência do espaço físico do EMPTY CUBE.
Os três vídeos, intitulados “Exercício 1”, Exercício 2” e “Exercício 3”, instalados no interior das caixas negras, tinham um elemento em comum: um ponto vermelho que guiava e concentrava o olhar do espectador durante a projeção, criando uma suspensão temporal e visual quase hipnótica, no sentido em que o campo de visão concentrado num ponto desperta a ilusão de paralaxe, como se o observador estivesse continuamente numa posição aparente frente à sequência de objetos que se sucedem no ecrã e que desperta um fenómeno óptico de retenção momentânea de uma imagem preexistente. Como uma memória da retina que persiste sobre o aparecimento de um novo objeto, deixando o observador suspenso entre a memória visual imediata e a sugestão.
Esta obra de André Gonçalves é como um exercício sobre a percepção, em que a indução de imagens recontextualiza, no sujeito, a memória visual do espaço e a sua memória retiniana nos breves instantes a que é exposto a este exercício. O projeto, de muito curta duração, constituiu um momento performativo da própria estrutura e da sua perenidade no sentido em que o espaço existente se converteu num outro, como se se tratasse da edição em tempo real do próprio evento.
João Silvério
Abril 2012