Nuno Cera foi o segundo artista convidado a realizar uma obra especificamente para ser difundida por e-mail pelo EMPTY CUBE. “Untitled (Glissements progressifs du plaisir)” é uma obra de 2012, em formato digital, que tem como referência um original com as dimensões de 30x40 cm, impresso em papel Hahnemühle, numa edição de cinco exemplares e uma prova de artista.
A imagem que Nuno Cera apresenta para este projecto situa-nos perante uma atitude especulativa com um duplo sentido: em primeiro lugar numa reflexão sobre a temporalidade, e em segundo lugar sobre a possibilidade narrativa que a imagem da representação de um rosto pode convocar como género (o retrato).
A aparente desfocagem a que a figura é sujeita indicia um movimento sobre o qual nada sabemos. Este movimento pode ter sido provocado pelo modelo ou pela câmara fotográfica que se deslocou, evidenciando uma necessidade de o autor utilizar a fotografia para se referir à imagem em movimento como sucessão temporal, afastando-se assim da fiabilidade fotográfica de representar num determinado momento o que é exactamente visível. O rosto da mulher está inscrito num espectro que traduz uma incerteza, quase uma imperfeição, sobre as suas características e sobre o detalhe que o torna singular.
Assim, a espessura espectral da imagem propõe-nos uma presença do rosto com uma maior plasticidade, e com este procedimento revela um deslocamento da tipologia do retrato fotográfico como uma forma mais genérica e tradicional da representação, em que o modelo é trabalhado nos seus traços de personalidade ou outras afecções que a expressão do rosto pode denunciar. Próxima da abstracção, a imagem situa-nos num campo de referências equívocas no sentido em que a identificação nos escapa e a identidade, enquanto género, permanece contraditória e possuída de uma certa ambiguidade. O autor procura aqui retomar as relações e os cruzamentos entre a fotografia e a pintura que no decorrer do séc. XX questionaram o estatuto da imagem e as condições da percepção.
Há ainda um outro aspecto da obra que acentua a poética cinematográfica desta fotografia: o subtítulo “Glissements progressifs du plaisir”. Na forma literária, na linguagem escrita, Nuno Cera opera a ideia de transitoriedade (de impermanência) e do devir temporal, acentuando uma expectativa sobre a realidade do movimento e dos vários estádios que a imagem revela sem objectualizar o modelo que se aproxima do universo da pintura, recuperando o retrato como género e como genealogia do pathos que um rosto pode evocar.
João Silvério
Janeiro 2013