Modelo e monumento
Ivan Šuletić (Belgrado, 1982) propõe, para este edição do EMPTY CUBE, um projecto que se apropria da construção efémera, o cubo, transformando-a numa outra construção fragmentada que convoca a ideia de um modelo, ou até uma maqueta - mas não uma réplica - em grande escala do que poderia ser o estudo para um arco monumental. Ao arco associamos uma condição biunívoca de passagem entre a impermanência e a perenidade. Tratando-se de uma metáfora sobre um arco do triunfo, esta está estreitamente ligada ao ritual da transmutação do homem no seu alter ego de herói, superando-se a si mesmo na sua face terrena através desse portal, desse filtro, que separa e religa a humanidade com a eternidade, projectando-se como apparatus de um universo fantástico e maravilhoso, tal como era entendido no período barroco.
O título desta obra efémera, "Triumphal Arch", caracteriza-se essencialmente por uma ironia que joga com as referências históricas que o arco do triunfo, como símbolo político e representação arquitectónica, significa. Esta referência a uma tipologia específica de um monumento convoca também a celebração da guerra, a memória de uma batalha, a revelação dos seus heróis e simultaneamente a sua centralidade no tecido urbano. O arco do triunfo é uma estrutura que atravessa a história da humanidade desde os seus primórdios, conhecendo na romanização do mundo ocidental a sua génese como um epicentro urbano que delimita e convoca a representação da vontade de poder e a sua perenidade para as gerações futuras.
O trabalho de Šuletić abre outras vias de interpretação. A sua obra, embora recente, tem uma estreita ligação à arquitectura e ao espaço público, sem contudo pertencer a uma linhagem de artistas que produzem obra conhecida sob a designação generalista de “Arte Pública”. O seu olhar sobre o mundo expressa um pensamento político, agindo sob formas da cultura ocidental, que não reconhece apenas a sua filiação ao lugar, e aos sistemas de transição, de que é oriundo, a extinta República da Jugoslávia. O artista direcciona a sua acção para as representações universais, de que o arco do triunfo é um dos exemplos, e desenvolve a sua reflexão sobre a arquitectura enquanto constructo permanente e consagratório, bem como sobre os processos de construção e validação dos espaços comuns, partilhados e urbanos, em que a memória individual se cruza com a sistematização da memória colectiva.
É por entre estas premissas que o projecto "Triumphal Arch" se desenvolve no EMPTY CUBE, recontextualizando a passagem como uma deriva sobre os desenhos justapostos aos plintos que ocupam o seu espaço interior e exterior. Ou seja, a obra requisita o modelo do arco como um acto de resistência ao monumento como prevalência do devir, como herança e como avatar da continuidade da memória unificadora. Esta atitude está presente nos desenhos, aparentemente abstractos, que de uma forma mimética se relacionam com o desenho tipificado da arquitectura, como desenhos preparatórios que encerram a caducidade da finalização do projecto para um arco triunfal. São como superfícies cortadas segundo um padrão regular que se afasta do ornamento e da evocação de símbolos e referentes identificáveis.
A noção de monumentalidade é, assim, reconvertida na rarefacção dos indícios que a promoveram e constituíram como lugar simbólico da memória e da autocracia que a instituiu. Independentemente do seu lugar de origem ou da sua massificação histórica, iniciada muito antes de o nosso léxico vulgarizar o esperanto cativo da tradução universal da ideia de globalização.
João Silvério