um desenho para uma performance: uma imagem partilhada
Hannes Egger apresentou o seu primeiro projecto em Portugal, intitulado “Public performance”, no âmbito do EMPTY CUBE. Nele, o artista questiona o espaço público versus privado e o próprio projecto curatorial enquanto momento efémero em que cada espectador se sujeita a ser revelado, tornando-se cúmplice da revelação do outro.
O título “Public performance” remete para uma relação, por vezes contraditória, entre ver e ser visto, entre a singularidade de cada indivíduo no espaço de exposição e a sua própria exposição enquanto participante da obra do artista. Questionamento que nos pode fazer reflectir sobre as condições políticas de legitimação da autoria e da sua partilha, bem como sobre a fragmentação dessa unidade em que nos reconhecemos enquanto “consciência de si” quando somos reposicionados como agentes da própria obra. O espaço público é, para Hannes Egger, um campo de possibilidades tão amplo quanto a sua definição pode abarcar, podendo desta forma construir um lugar relacional no espaço que cada indivíduo ocupa. A obra compreende o singular e o plural numa transição entre ser visto e reencontrar-se na obra como elemento participativo que está em permanente construção, numa mediação entre o espaço do cubo e o espaço da galeria.
“Public performance” é essencialmente concebida a partir de uma pré-determinação que cada espectador pode ou não seguir, mas que conhece a partir do momento em que pega numa folha que contém instruções escritas e um desenho original em cada uma destas. O desenho é graficamente muito simples e indica uma posição do corpo que poderá ser interpretada por cada espectador durante a sua acção performativa dentro do espaço do cubo. É conveniente explicar que na parede exterior traseira do cubo se encontrava um monitor que revelava as acções que se passavam no seu espaço interno, o que implicou a existência de uma câmara numa imediata relação entre fora e dentro, entre o que se vê e quem está a ser visto. Assim, o cubo transforma-se num posto de observação que contém em si mesmo o espaço que observa. Podemos pensar, por exemplo, em Bruce Nauman, tanto na obra que regista os acontecimentos que ocorrem no estúdio, como refere Capucine Perrot no texto “Here, I knew I Was Being Watched” 1, como numa obra anterior, intitulada Lived-Taped Video Corridor (1970). Contudo, estas referências servem apenas para situar o trabalho de Egger na história da arte mais recente, porque o artista cria um novo dado quando interfere sobre a capacidade de decisão do espectador no momento em que as instruções são recolhidas. Este momento é importante e decisivo porque os intervenientes se questionam e conversam entre si sobre o original desenhado pelo artista, sobre o tempo recomendado para a performance e sobre cada posição que podem interpretar, projectando nestas questões a exposição do seu próprio corpo, numa relação em que a auto-determinação passa a ser não apenas auto-referencial mas parte de um universo de indivíduos que se encontra no mesmo ponto de partida. A questão da escolha individual é deste modo partilhada, tornada pública entre o público que vem assistir à performance. Hannes Egger resgata a individualidade subjectiva de cada um dos presentes à publicitação de uma proposta individual, criando uma situação paradoxal em que o público se torna uma categoria móvel e transitória, dependendo da acção de cada um dos seus elementos. Esta performance partilhada foi também registada na totalidade da sua duração, constituindo um arquivo que pode servir de matéria-prima para uma outra obra.
Performance pública para os espectadores que se encontram por entre o público performativo.
João Silvério
Abril de 2016
1Texto publicado em
Web Performance Today – Representation, Reproduction, Repetition (org. Hannes Egger e Antonella Tricoli), Silvana Editoriale, 2014.