O que permanece.
Uma fotografia a preto e branco e duas paredes cobertas de folhas de papel pintadas de negro ocupam o espaço.
Nesta instalação de Pedro Gomes pressentimos os vestígios da sua prática artística como se fossem um vislumbre. Um olhar sobre qualquer coisa que resta, mas que sobreviveu ao seu processo de trabalho.
Na obra do autor, a superfície perfurada deixa revelar a cor pintada no reverso da folha, presentificando imagens, símbolos e ícones que nos propõem um jogo de reconhecimento cuja origem se encontra encerrada no aturado labor do atelier. Os papéis negros agora expostos, como pinturas monocromáticas montadas sobre as paredes do espaço, revelam indícios que reconhecemos mas pertencem a uma outra categoria do seu modus operandi. Estes papéis são a parte não visível do trabalho. Aqueles que não foram escolhidos e não integraram nenhuma das séries que produziu. A pintura que cobre estas folhas é densa e não tem o menor indício do movimento da mão que as pintou. No lugar do gesto, também revelado pela malha de furos, ou feridas feitas a ferro quente sobre o papel, observamos uma superfície texturada mas uniforme, seca e apartada da sensualidade que a caracteriza enquanto prática do desenho.
Estas folhas negras foram parte integrante do trabalho diário do artista e foram-se acumulando no atelier como registos sem data, como horas perdidas, ilegíveis e indecifráveis como palavras sem nexo. Momentos e gestos desintegrados que se tornaram absurdos e foram perdendo o sentido.
Não estamos perante trabalhos rejeitados que foram sujeitos a uma recuperação como se se tratasse de uma acção de reciclagem, ou de reaproveitamento, para criar uma nova composição. A instalação possui uma forte carga poética em que a pintura – evocada como um momento de reflexão sobre a prática individual do autor – está presente na forma como representa o objecto fotografado e sobre as paredes austeras que se lhe opõem. Na fotografia, vemos um cacto de grandes dimensões, retratado como se fosse uma árvore de grande porte. A representação desta planta ornamental, própria de um jardim, assume-se como uma alegoria do atelier e uma metáfora de um universo matricial em que a sua imagem revelada, espinhosa e adaptada a climas austeros, revela uma capacidade de resistência ao meio.
O que persiste, nesta instalação, é a relação que o autor mantém com o seu processo interno, e íntimo, demonstrando uma atitude perseverante em face do que não necessita de ser revalorizado mas permanece, sem nostalgia, como indício ou vestígio.
João Silvério
Maio 2009