Concerto para Cubo e Viola (de arco)
      
      
Operando aqui no campo das artes plásticas, o  músico José Valente aceita este desafio como se de um dueto se tratasse. Se não  exactamente entre ele e as artes plásticas, pelo menos entre ele e o Empty  Cube. Objecto/lugar que aqui é assumido na sua  materialidade pelo próprio facto de se manifestar enquanto instrumento de  percussão. Mas uma percussão feita do seu interior, como se fosse ele próprio a  produzi-la.
        Perante o que é pressuposto nas regras deste jogo, perante o facto  de se esperar que seja no espaço do cubo o lugar em que as coisas acontecem, o  músico coloca-se estrategicamente fora de campo.
        Mas um fora de campo que ao mesmo tempo é um espaço que é duplo do  cubo ou, pelo menos, o seu eco.
        E o quadrado negro sobre o qual José Valente está, tendo a área do  cubo, resulta da projecção daquele objecto no plano horizontal. Projecção que  compacta todas as dimensões num só plano, lugar abstracto que coloca o músico  fora de qualquer lugar, a melhor forma que encontrou de se situar neste  contexto, físico e conceptual.
        Mas, certamente sem o saber, esta forma de estar fora deste campo  coloca-o no seu centro. Todos sabemos a importância dos quadrados negros (pelo  menos de um) na história da arte.
        Em 1983, em Almada, tive o privilégio de ver uma das personagens do  movimento Fluxus em duas performances memoráveis (num dos saudosos  festivais internacionais de performance organizados pelo Egídio Álvaro).
        Em “Concerto para Poemophone”, Serge III Oldenbourg tocava um rudimentar  instrumento de uma só corda. E, obviamente, monocordicamente, ia tocando a  corda numa cadência monótona. Monotonia que era quebrada pela sua presença  francamente simpática, começando, desde logo, pela generosidade do seu bigode e  do seu sorriso. 
        Serge III, provavelmente, não saberia tocar qualquer instrumento.  Ou, pelo menos aqui, não queria dar-nos qualquer sugestão de que o soubesse  fazer. Mas, monocordicamente, evocava toda a música do mundo. Ou melhor, a  possibilidade de estarmos perante a própria matéria de que a música é feita,  como se nos sugerisse a possibilidade de uma era pré-musical e nos  transportasse para ela.
        Mas José Valente é mesmo um músico e, sendo na música que tem o seu  espaço, encontra aqui a melhor forma de se relacionar com as artes plásticas. À  semelhança da forma como encara um doutoramento em Arte Contemporânea no  Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. Inevitavelmente, em diálogo.
        Falta falar do resto. Não falamos aqui da música. E o que falta será  certamente o que é mais relevante. Mesmo no seu potencial transformador. Até  porque a viola, sendo de arco, suaviza as arestas do cubo.
       
      António  Olaio 
      Coimbra,  8 de Março de 2014