Assentar a água
      Rita Gaspar Vieira foi a quarta  artista convidada a realizar uma obra especificamente para ser difundida por  email pelo EMPTY CUBE. A fotografia, da série “Marca  D'Água #1”,  2014, impressão a jacto de tinta sobre papel de algodão, faz parte de um  projecto fotográfico inédito.
        A imagem que Rita Gaspar Vieira  apresenta é um registo fotográfico de um processo de trabalho mais alargado,  que se intensificou no decorrer da investigação prática para a sua tese de  doutoramento. Contudo, o espectro da investigação académica não condicionou o  desenvolvimento desta série fotográfica, sendo apenas um momento desse  processo, que teve outros desenvolvimentos, materializados noutras obras de  configuração escultórica apresentadas em contextos expositivos.
        O título da obra, “Marca  D'Água #1”, reenvia-nos para uma  técnica de marcação de papel que teve o seu aparecimento no séc. XIX e que  permitiu controlar a autenticidade de um certo tipo de papel. A técnica, um  processo de estampagem sobre papel húmido, deixa uma marca que só é possível  ver à transparência sob a incidência da luz, como é reconhecível numa nota, ou  numa folha de papel Fabriano, material e lugar da sua origem. No trabalho de  Rita Gaspar Vieira esta estampagem obedece a um processo inverso, quase como  uma pintura sobre fresco, no sentido em que a artista, que fabrica a pasta de  papel que utiliza nestas obras, emprega camadas de fibras de algodão que constituem uma pasta húmida e que aderem entre  si até à fase da secagem. A marca de água,  numa linguagem mais corrente, cobre no seu trabalho todo o processo entre o  assentamento da pasta e a sua secagem absoluta, revelando-se assim em camadas  que descobrem diferentes sedimentos, e desta forma diferentes momentos  sequencialmente anteriores. É um processo de materialização do passado,  metáfora da memória enquanto desiderato do acto de fazer sob as condições  atmosféricas que nos devolvem à humanidade terrena. A forma angular que a  figura escultórica exibe no registo fotográfico acentua essa ligação à faktura,  percorrendo uma linhagem construtivista na secção cúbica que deixa a sua  superfície alva e diáfana libertar-se em finas e dúcteis camadas, revelando  duas placas quadrangulares que pertencem ao revestimento do espaço  arquitectónico do EMPTY CUBE. A memória do seu acto, enquanto artista, é  simultaneamente o seu momento projectivo de partilha com o projecto e os seus  intervenientes. A marca de água é nesta obra um processo de revelação e de  resguardo de todas as marcas indeléveis e singulares que corporalizam o  projecto EMPTY CUBE. 
      João Silvério
        Janeiro 2015