Ao cubo = um
Nesta edição do EMPTY CUBE, o  bailarino e coreógrafo Miguel Pereira e o arquitecto João Ruivo / FORA (colectivo de arquitectos  fundado em Atenas em 2009 por João Fagulha, Raquel Oliveira e João Ruivo: www.for-a.eu/) criaram uma ligação ficcional  entre, por um lado, o espaço e as suas funções e, por outro, os desígnios e  expectativas que o mesmo pode conter e transmitir a cada um dos espectadores  que nesta obra foram participantes activos, como se fossem a matéria do  projecto.
O título desta obra efémera, “Escuro3”, conduz-nos de forma indirecta mas acutilante para uma  relação com o corpo, o tempo e o espaço físico que caracteriza o EMPTY CUBE, o  qual, nesta acção performativa, sugere uma festa anunciada pela música que ecoa  ininterruptamente num ambiente quase celebratório. 
A estrutura física do  EMPTY CUBE (o cubo) foi deslocada para a entrada do Espaço Alkantara, em  Lisboa, onde se constitui como um espaço entre espaços cuja entrada foi  modificada (com uma parede de tijolos partidos) por João Ruivo, parecendo ao mesmo tempo uma  construção violentada para forçar a entrada, como se se tratasse de uma parede  destruída para um assalto. Por outro lado, contudo, os tijolos azuis  (fabricados em poliuretano) transformaram o espaço em algo de artificial, como  se fosse uma maqueta ou um modelo, quase próximo de uma imagem de uma vinheta  de banda desenhada. 
            Nessa passagem para o espaço da  festa, anunciada pela música, uma playlist que continha apenas uma faixa  e cuja repetição ao longo das duas horas que a acção durou desafiava cada uma  das pessoas que, entrando no espaço interior e negro do cubo, se dispuseram a  ultrapassar as barreiras humanas que se posicionavam no caminho de cada  visitante. A experiência do corpo, da sua posição no espaço sem coordenadas,  bem como a corporalidade do Outro, masculino ou feminino, transformou, numa  primeira fase, cada momento individual numa experiência tensa, por vezes  divertida, ao som da canção “I Feel Love”, de Donna Summer, que repetidamente se fazia ouvir. A  travessia deste espaço negro durante alguns segundos ou minutos, consoante cada  espectador/participante, permitiu o acesso ao outro lado do espaço após  abertura da cortina negra, revelando uma parede envidraçada e fechada que  mostrava luzes de uma eventual discoteca ao som ininterrupto daquela música.  Aqui chegados, encontramos o bar onde estavam a ser servidos shots de um famoso cocktail: o  Bloody Mary. Ao balcão, uma figura vestida de negro, com óculos escuros e uma  farta cabeleira (como uma pop-star), encarna uma das personagens que  Miguel Pereira interpreta em algumas das suas obras, como por exemplo “Antonio  Miguel”. O ambiente com uma aura psicadélica transformava-se num espaço de  partilha da experiência vivida, entre a travessia que elegia o corpo como  objecto principal e a esfera das emoções que lhe servia de moldura, em  constante contradição entre o constrangimento e a diversão. 
              Neste projecto tudo se  encontra na esfera do desejo, da fantasia e da ficção. Desde a parede  esventrada, feita de materiais muito fáceis de quebrar, à passagem por entre os  desconhecidos, à música em constante repetição e à festa, onde apenas se servia  uma única bebida. E ao regresso, com a mesma saída para a rua. A mesma diversão  sensorial e sensual, com a sua condição contraditória e táctil, num espaço onde  o tempo é suspenso e a memória da experiência é confusa, num percurso de três  metros ao som de uma música dos anos setenta do século passado. 
              “I Feel Love” por  entre barreiras que respiram e movendo-se nos inquietam, permanecendo na  memória do corpo mesmo passada a parede deitada abaixo. No escuro ao cubo. 
            João  Silvério
              Novembro  2015 
             
            Apoios:
            
 
 
            
              
            
             O Rumo do Fumo e o Alkantara são estruturas financiadas pelo Ministério da Cultura/DGArtes.