Visita guiada. 
        Este projecto da artista RitaGT dá continuidade a uma  atitude rebelde e a uma postura intervencionista que têm caracterizado a  estratégia do seu trabalho. Este tipo de intervenção tem por vezes uma tónica  contestatária e uma despudorada atenção aos processos de sistematização e  ordenação de modelos de pensamento que determinaram a nossa identidade cultural  e política na transição do séc. XIX para o séc. XX. A artista acciona  diferentes dispositivos, como a linguagem, a imagem fotográfica ou a acção  junto do público, com uma forte carga performativa e auto-referencial, para  percorrer itinerários e discursos da história da arte. 
          É  neste contexto que o projecto apresentado no EMPTY CUBE se reveste de uma dupla  significação. Em primeiro lugar o título, escrito em três línguas europeias,  assume num primeiro momento um carácter polifónico, como se três vozes  diferentes se articulassem numa forma final harmoniosa produzindo o mesmo  sentido, o que de facto acontece quando se lê o título em caracteres  tipográficos que querem dizer a mesma coisa. Esta harmoniosa conjugação é  sujeita a uma acção que ocorre em simultâneo e que nos obriga a reler esse  mesmo título, rasurado e emendado pela mão da artista que altera o significado  da frase Evento de uma noite para Evento de uma vida, acontecendo o mesmo  nas duas traduções em inglês e alemão. Este jogo semântico convoca algumas  questões presentes no seu trabalho, como a identidade ou a noção de pertença.  RitaGT vive em Berlim, é portuguesa e usa um idioma globalizado e universal, o  inglês. Por outro lado, a sua participação no EMPTY CUBE subverte a  “apresentação única” que caracteriza este projecto expositivo quando substitui,  vincadamente, a palavra “noite” pela palavra “vida”. Este subtil sistema de  relações contido no título transporta-nos para um campo de acção mais vasto, a  construção da memória colectiva, trabalhada no registo de uma obra em vídeo e  numa publicação com uma edição limitada a duzentos exemplares. 
          As projecções de vídeo registam uma acção performativa  em que a artista, vestindo o fato de trabalho tradicional de uma ceifeira de  Viana do Castelo, atravessa várias salas de quatro museus da cidade de Berlim.  As colecções expostas descrevem um arco temporal e geográfico, como se se  tratasse de uma viagem de circum-navegação que atravessa diferentes períodos da  história da humanidade. O fato de trabalho envergado pela artista pode ser  compreendido como um símbolo universal, um referente que em todas as culturas  se traduz por uma indumentária identificativa da cultura a que pertence cada  indivíduo. De outra forma, as imagens impressas no livro confrontam-nos com a presença  de um corpo, assente sobre um banco de uma sala de um museu. RitaGT inverte o  significado e a função deste equipamento e usa-o como um plinto para expor uma  figura, a sua, petrificada no momento da exposição. Os fragmentos de textos  publicados neste livro cruzam-se entre citações de historiadores e anotações da  autora, resgatando questões controversas como a apropriação e descontextualização  de outras culturas através da posse dos objectos que as caracterizam e dos  períodos históricos em que estas acções ocorreram, como o colonialismo ou  modernismo. Deste modo, o lugar da memória colectiva, e do confronto com o  nosso legado cultural e político, é o museu como ferramenta da construção da  história, como zona de contacto e de confronto. 
          RitaGT encarna uma personagem que inicia uma espécie  de viagem panorâmica, como um comentário corrosivo sobre a história das  relações de poder entre centro e periferia.
        João Silvério
          Março de 2009